Mãe e o desafio de educar

Para a maioria dos pais realizar todos os desejos dos filhos tornou-se obrigação. Desde muito cedo, as crianças percebem o poder que possuem de manipular os pais e se regozijam com o exercício da tirania. Valores de cidadania e solidariedade não existem para esses futuros adultos. Aprendem que além dos pais o mundo lhes deve atendimento às suas necessidades e caprichos.

Mães do século XX costumam se incomodar e muito com atitudes de pais que não fornecem limites e criam pequenos tiranos. Recentemente, observei um fato que me surpreendeu. Uma jovem mãe em uma mesa de restaurante, conversava animadamente com uma amiga, ignorando que sua filha, de aproximadamente 3 anos, que jogava ao chão envelopes de temperos disponíveis na mesa. Mesmo quando um funcionário recolheu do chão tudo que foi atirado e desperdiçado a mãe não reagiu, não o ajudou e nem se desculpou, ou sequer orientou a criança para que isso não continuasse acontecendo. É como se tudo fosse absolutamente natural.

Em um encontro entre amigos esse tema veio à tona, com comentários sobre o comportamento de uma nora dos presentes, que se comportava como uma criança mimada. Ela exigia do marido, compreensão para todos os seus dilemas existenciais, sustento da casa e dela mesma e responsabilidade pela ordem e limpeza da casa. O prognóstico, de todos, era que em breve haveria um rompimento da relação, pois não há afeto que suporte exigências desmedidas e ausência de contrapartida.

A conversa acabou levando à recordações de experiência de situações vividas pelas mães presentes, todas do século XX. Uma delas, pessoa doce e acolhedora, já atravessou meio século de vida. Guerreira que é criou sozinha a única filha, que hoje todos consideram uma pessoa independente, solidária e encantadora. Mas, educá-la exigiu firmeza e a certeza que limites eram indispensáveis.

A mãe lembrou de um dia de chuva em que foi buscar a filha no cabelereiro. A garota estava atrasada para se arrumar para uma esperada festa, e a garoa ameaçava estragar sua impecável “chapinha”. A mãe, antes de levá-la para casa resolveu ir a um caixa eletrônico dentro de um supermercado. Parou diante da cancela de entrada, aguardando um senhor que empurrava, com esforço, um carrinho repleto de material reciclável. A garota começou a reclamar da lentidão do deslocamento do senhor, desqualificando-o e responsabilizando-o pelo atraso no seu compromisso. A mãe revoltada com a falta de sensibilidade da filha, destacou a diferença entre ir a uma festa e o esforço que um trabalho como aquele exigia. Censurou-a pelo egoísmo e indiferença com o outro, e como lição de vida, a fez descer do automóvel, dirigir-se à pé para casa, embaixo de chuva, para pensar melhor sobre o significado daquela situação.

Tempos mais tarde essa mesma mãe foi buscar a garota no aeroporto, no retorno de um programa de intercâmbio. Foi surpreendida pela garota levantando a blusa e expondo um piercing colocado no umbigo. Piercings e tatuagens para a mãe era uma decisão associada a independência, e o direito em tê-los requeria assumir a própria vida, inclusive do ponto de vista financeiro. Observou decepcionada aquela provocação da filha, mas não comentou absolutamente nada. Dias mais tarde, a menina teve febre alta e a mãe a levou a um pronto socorro. Enquanto a mãe preenchia os documentos, uma enfermeira conduziu a jovem para um dos locais reservados para a coleta de sangue. Inúmeros pacientes também ocupavam outros locais como aquele, separados por biombos, aguardando atendimento e encaminhamento. A mãe, ao chegar onde estava a garota, deparou-se com a filha choramingando recolhendo o braço para evitar a picada da agulha e a enfermeira se abaixando para buscar uma veia no pé da garota. A mãe não se conteve, mandou a enfermeira se levantar, a menina esticar o braço, parar de “frescura” e permitir a realização da coleta. A voz alterada da mãe ecoou pelo pronto socorro e todos ficaram sabendo que se a filha dela fora capaz de colocar um piercing, independente da dor que provoca, não havia razão para criar problemas com a perfuração de uma simples agulha. A menina envergonhada, engoliu o choro, manteve o braço firme e o sangue foi coletado.

Muitas outras histórias de amigas e mães ilustram a necessidade de limites para a formação de crianças e jovens. Acolher quando necessário e ser firme quando a realidade exige, faz parte do difícil processo de educar, que não possui receitas, apenas uma bússola orientada por princípios e valores. Admiro essas mães que demonstraram coragem em gerar seus filhos, determinação na orientação e educação contribuindo para que eles se tornassem pessoas admiráveis, cidadãos de respeito. Embora inúmeros casos nos façam rir, até pelos exageros provocados pela emoção vivida em diversos momentos, são lições inesquecíveis na jornada da vida.

A todas vocês, minhas amigas e mães, Maria, Teresa, Ângela, Altéia, Rita, Regina, Hebe, Consuelo, Lizete, Marina e muitas outras, na proximidade do dia em que se comemora ser mãe, minha homenagem pelas histórias que viveram e meu agradecimento por terem povoado esse universo de gente boa e digna de respeito.

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5 comments

  1. Consuelo Fernandez disse:

    Muito lindo este conto. Obrigada por se lembrar de mim e por me fazer refletir sobre o momento em que estou vivendo. Quanto a ser mãe, lembro das palavras da minha quando lhe dávamos ‘canseira’: Filhos… tenha-os e aguente-os!!!!

  2. Maria Elisa disse:

    Texto muito lúcido e oportuno, aliás, sempre oportuno e necessário dada a situação da maioria das mães atualmente. As mães citadas são merecedoras de toda a nossa admiração… A sua contribuição para a conscientização dos pais de hoje em dia é maravilhosa, não fosse você uma super psicóloga, ainda é uma competente e sensível educadora e talentosa escritora…

  3. Eula Aicklen disse:

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