Gratidão

Gratidão - Psicofix

Sem aviso prévio, a dinâmica da vida saudável é interrompida. O equilíbrio do organismo deixa de existir, instala-se o descontrole do corpo, e a única alternativa é buscar por ajuda. Em um pronto socorro foram realizados inúmeros exames e em pouco tempo os médicos decidiram a necessidade de internação em uma UTI. Tudo fica para trás, a presença solidária de pessoas queridas, roupas, documentos, objetos pessoais. A uma única concessão para a comunicação com o mundo é o celular.

A UTI é um mundo novo. O corpo é conectado a aparelhos com monitoração constante. A autonomia é substituída pelo controle de batimentos, pressão, temperatura, ingestão e eliminação de fluidos.

Enfermeiras e enfermeiros deslocam-se de lá para cá, realizam anotações das informações dos aparelhos, coletam os diversos fluídos do corpo para exames e atendem cuidadosamente as prescrições de medicação por meio oral ou de agulhas.

As atividades autônomas do cotidiano são interrompidas e a vida passa a depender de desconhecidos. Tomar banho, escovar dentes, receber alimentação e remédios, fazer as necessidades, tudo se restringe ao espaço de uma cama com a colaboração constante do corpo de enfermagem.

E quem compõem o grupo de enfermagem? Mulheres cuidadoras cumprem turnos de horas e atendem a desconhecidos com sorriso e gentileza. Cumprem protocolos e na troca de turnos partilham as informações sobre os pacientes a partir dos dados dos aparelhos e recomendações médicas.

Essas cuidadoras veem de longe, da periferia da cidade e enfrentam, diariamente, horas de viagem de ônibus, trem, metrô e longas caminhadas. Aos poucos, com breves conversas conheci parte dessas histórias.  

Uma comemorava a aquisição de um apartamento localizado há quilômetros de distância do hospital. Descrevia o novo quarto que irá ocupar e chamar de seu, e do outro destinado à filha de dezoito anos. Até então, elas só tinham a experiência de dividir uma única cama. O relato é de felicidade pela aquisição do apartamento, mas acompanhado da ansiedade da mudança da vida.

Outra contava as horas e os minutos que a separava das sonhadas férias em que iria visitar a família, em uma cidade no sertão nordestino. Foram cinco anos de preparo para uma primeira viagem de avião e para surpreender a mãe com sua presença. A enorme felicidade em voltar vitoriosa para suas raízes, para o calor do carinho da família. Na bagagem, levava o orgulho do primeiro diploma universitário da família e o registro de enfermeira em um grande hospital na carteira de trabalho.

Uma outra, ajudante de enfermagem, nos intervalos de atendimento monitorava os filhos nas atividades de alimentação, deslocamento e estudo. Atendia as chamadas telefônicas falando baixinho, orientando os filhos e pedindo que se comportassem. Além de enfrentar o turno de trabalho, ela frequentava, diariamente, uma universidade para completar um curso na área da saúde. Somente, depois do curso, voltava a rever os filhos, cuidar da casa e preparar a alimentação para o dia seguinte.

No plantão noturno, um dos enfermeiros contou que antes de trabalhar na área da saúde, ele era um habilidoso soldador. Aos quarenta anos, desiludido diante da dificuldade em obter uma carteira assinada, resolveu mudar de área. Na época, a área da saúde era a que mais contratava profissionais, mesmo na faixa da idade dele. Fez um curso, prestou concurso e conseguiu o almejado contrato como efetivo. Optou pelo plantão noturno, que o possibilitava complementar renda com trabalhos autônomos. Era, também, colecionador de moedas e notas antigas e adorava falar sobre sua coleção.

As equipes formam um corpo único em que cada um contribui com o trabalho de todos. Ajudam-se mutuamente. Se um cuida de um paciente que exige um trabalho mais complicado, todos colaboram para que o atendimento seja sempre o melhor possível.

Comemorei com eles a alta e a retomada do controle do meu corpo. Abraços e beijos marcaram a despedida.

Hoje, valorizo pequenos atos como tomar banho, escovar os dentes, ir ao banheiro sozinha. Os desconhecidos que me ajudaram, que cuidaram de mim com dedicação, com suas incríveis histórias, estão presentes na minha memória e eterna gratidão. Eles contribuíram não só para cuidar do meu corpo, mas também da minha alma, eles a tornaram mais leve e a inundaram de gratidão.

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8 comments

  1. Adriano Palange disse:

    Um lindo relato de uma experiência adversa, onde aprendemos a observar e valorizar pequenos gestos e momentos, claro que tenho total certeza que isso já ocorra.
    É admirável saber o que você estava passando, e mesmo assim teve o olhar clínico de cada momento, cada conversa e registrar com essa riqueza de detalhes em sua memória para que tornar-se este lindo texto que envolve amor, agradecimento, carinho, gratidão e reconhecimento, confesso que vindo de Ivete Palange não esperava menos que isso.
    Tenha certeza que também deixou sua marca na vida dessas pessoas, com seu reconhecimento e gratidão.
    Na vida quando plantamos o bem, os frutos colhidos são os melhores, e nada mais justo do que você colher estes frutos.
    É um privilégio ser sobrinho de Ivete Palange, além de ser um Orgulho.

  2. Jerome Durdan disse:

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