Archive for contos

SÓ NO SAPATINHO

Ele era um quase octogenário e se recuperava de uma cirurgia no quadril.

Acostumado com a lida do dia a dia, teve que se conformar em diminuir as atividades profissionais. O celular tornou-se seu maior companheiro. Assistia a pequenos vídeos, acompanhava a vida de desconhecidos, lia notícias.

Inúmeros comerciais invadiam sua telinha. Costumava fechá-los sem se preocupar em ver o conteúdo. Mas, um deles insistiu tanto, tal qual um inseto voando em torno aguardando o momento da “picada”.  E não é que o acertou?  De repente, lá estava ele analisando a foto de um par de sapatos.

A foto trouxe a memória a sensação do sapato nos seus pés. Desde a cirurgia usava um par de chinelos e quase havia esquecido a sensação de ter os pés calçados por sapatos. A foto foi um bilhete para a viagem e identificação com um dos pares que ele possuía. Analisou detalhadamente a foto, identificou tipo de costura, de sola, do material que o compunha, e, de repente veio o desejo de comprar.

Ele não consumia produtos pela internet e um par de sapatos parecia algo arriscado, sentia a necessidade de ver, sentir e até ter a experiência de calçar o objeto. Por outro lado, o preço era também convidativo, correspondia a um terço do que pagara pelo último par de sapatos. Questionou a si mesmo se o tamanho seria adequado e encontrou, na propaganda, a medição dos pés associada aos números correspondentes. Finalmente, entre o desejo e o seu ceticismo, venceu a decisão pela compra. Talvez a compra, em um universo virtual, nada mais fosse que uma metáfora do seu desejo em calçar um par de sapatos e retornar à sua vida normal de atividades. Havia um tempo entre a compra e o recebimento do produto que não foi devidamente avaliado.

Um mês depois ele voltou a calçar sapatos, retomou as atividades e o par de sapatos que havia comprado ainda não chegara. Ele até tinha se esquecido da compra, quando recebeu um e-mail informando que o calçado adquirido se encontrava em outro estado, e, para recebê-lo, era necessário pagar uma pequena taxa. Achou que tinha caído em um golpe do mundo virtual, mas uma amiga o alertou que isso fazia parte do processo. Após alguma resistência, pagou a taxa e aguardou ceticamente a chegada do produto.

Depois de uma semana ele recebeu um pacote todo detonado e amassado. As condições do pacote já indicavam o estado do produto que ele embrulhava. O primeiro pensamento que lhe veio à mente foi que seria melhor não ter recebido a compra, pois a concretização dela era um atestado de que era um idiota.

A comparação da foto e a realidade era chocante. Ele se convenceu que os chineses eram realmente excelentes fotógrafos e transformavam a realidade em obra de arte. Dentro de cada sapato havia uma construção de isopor que grudou na palmilha cuja espessura podia ser comparada a uma folha de papel sulfite. O isopor introduzido no sapato para que ele não deformasse, não conseguiu o seu objetivo. A sola reta e flexível era de uma composição misteriosa. O tamanho era o mesmo que os chineses indicavam na sua régua, servia perfeitamente nos pés, os sapatos eram deformados, mas na numeração correta. Restou a ele os sentimentos do desejo e espera de uma cinderela pelos sapatinhos de cristal e a decepção do recebimento de uma cópia chinesa de plástico deformado. …Oh, Oh, foi um chinesinho que aprontou, só no sapatinho

Gratidão

Gratidão - Psicofix

Sem aviso prévio, a dinâmica da vida saudável é interrompida. O equilíbrio do organismo deixa de existir, instala-se o descontrole do corpo, e a única alternativa é buscar por ajuda. Em um pronto socorro foram realizados inúmeros exames e em pouco tempo os médicos decidiram a necessidade de internação em uma UTI. Tudo fica para trás, a presença solidária de pessoas queridas, roupas, documentos, objetos pessoais. A uma única concessão para a comunicação com o mundo é o celular.

A UTI é um mundo novo. O corpo é conectado a aparelhos com monitoração constante. A autonomia é substituída pelo controle de batimentos, pressão, temperatura, ingestão e eliminação de fluidos.

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Fim do amor

16 separações de casais que a gente achava que seriam eternos - Listas - BOL

O nascimento e a morte do amor são um mistério. Há inúmeras razões e circunstâncias, mas o desfecho é sempre misterioso.

A paixão aparece de repente, ataca corpo e alma, acelera o coração, faz as mãos suarem, fixa a imagem do objeto amado no pensamento e acentua o desejo de ouvir a voz, de sentir o toque. Amantes vivem constantes sensações de borboletas no estômago, de som de baladas de sinos, de voos com asas imaginárias.

É a paixão que abre espaço para que surja o amor que irá transformar, ondas de sentimentos arrebatadores em calmaria. O mar revolto aquieta-se com a convivência dos amantes, no quotidiano, no desenvolvimento de projetos de vida. O convívio do dia-a-dia permite viver diferenças de pontos de vista que podem solidificar ou destruir o relacionamento.

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As Leis da vida

O sonho do meu primeiro apartamento | Simplichique

Houve muita emoção quando ele, finalmente, recebeu a chave do apartamento, a primeira morada que iria chamar de sua. Depois de alugar diversas residências voltou a viver com os pais em casa confortável. Agora, era o momento de realizar o sonho acalentado há mais de uma década.

Do terreno ao prédio pronto foram meses de acompanhamento. Nas inúmeras caminhadas pela orla, próxima à construção, observava à distância as mudanças do esqueleto e sua transformação no corpo desejado. Houve atrasos e ele aceitou justificativas. Realizou as inspeções previstas para avaliação e melhoria da sua unidade no prédio, que como todas as outras, eram entregues sem acabamentos que ficavam sob a responsabilidade dos proprietários.  

Vendeu o que possuía (moto, bicicleta, etc.) e juntou a poupança para adquirir produtos e contratar serviços que possibilitassem personalizar criativamente seu pedaço de chão. Muitas pesquisas alimentaram seus sonhos para vestir e valorizar sua propriedade. Iluminação, pintura, piso, decoração invadiram e ocuparam todo o seu pensamento. Tirou férias do trabalho para planejar, desenvolver e acompanhar o processo de transformação do que ele passou a chamar carinhosamente de apê.

A primeira etapa foi a iluminação com sanca de gesso e luz indireta de LED para obter clima aconchegante à casa. Depois de discutir o projeto com o profissional contratado saiu para outras providências.

Foi surpreendido por um telefonema desesperado do gesseiro que o informou que a perfuração prevista no teto da sala fez surgir um gotejamento de água, impossível de estancar. Inicialmente incrédulo, em pouco tempo constatou a veracidade do relato. Havia uma goteira na sala.  De onde viria a água? Como poderia haver um cano no teto da sala?

O engenheiro responsável, chamado com urgência, embora descrente resolveu convocar, também, o mestre de obras. Ambos, munidos com as plantas do prédio, tentaram demonstrar e argumentar sobre a inexistência de cano no teto da sala. Indiferente às plantas hidráulicas e elétricas, e aos argumentos do engenheiro e seu mestre de obras, a água insistia em gotejar. Presenciou a conversa surreal dos profissionais envolvidos enquanto um balde aparava no meio da sala o líquido improvável.

O mestre de obras e o engenheiro decidiram, então, quebrar o teto e observar a origem da goteira. O teto da sala atacado por uma marreta, algumas pancadas depois revelou o mistério: havia um pedaço de mangueira repleto de água. Possivelmente a mangueira foi usada para molhar o cimento da laje e aquele pedaço foi inadequadamente cimentado. Houve um erro de operação na construção, mas ele não oferecia maior perigo. O engenheiro e mestre de obra identificaram que o problema indicava a necessidade de um cuidado maior no acompanhamento da construção. Se não houvesse o furo nunca ficariam sabendo que isso havia acontecido. Resolveram o problema e reconstruíram o teto.

O gesseiro ao perfurar o teto furou a borracha cheia de água o que provocou a goteira. Se ele tivesse realizado o furo um pouco mais para a direita ou para a esquerda ninguém ficaria sabendo que havia uma mangueira enterrada no teto.

Para ele a situação levou a reflexão. Pensou na famosa lei de Murphy: “Se alguma coisa pode dar errado, dará. E mais, dará errado da pior maneira, no pior momento causando o maior dano possível”. Ele repetiu esta lei na aquisição de muitos outros produtos e serviços para o apê.

Apesar dos transtornos o sonho não se transformou em pesadelo. Além do mais, durante a preparação do ninho ele se apaixonou e encontrou uma companheira para partilhar a construção. Assim, ele repete uma outra lei que ele mesmo criou: “Se alguma coisa pode dar certo, ela dará no momento certo e da melhor forma possível” .

Um lado Ogro

No verde olhar o mesmo brilho e sedução da juventude. A face, emoldurada pelos cabelos brancos, destaca o belo sorriso. O corpo esbelto e proporcional, mantém-se como o do jovem atleta, embora o tempo lhe tenha roubado parte da agilidade. Incontáveis partidas de basquete e futebol na juventude e treinos desmedidos deixaram marcas nos quadris, que dificulta alguns movimentos. » Read more

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