Encruzilhada

A empresa em que trabalhava o dispensou há seis meses por defender um colega. É um jovem de 25 anos, casado e com filho de 2 anos, o perfil de milhares de jovens desempregados desse país.

Com poucos anos a mais que ele, o companheiro de trabalho, estava vivendo luto, recente e dolorido, pela morte repentina do único filho de 9 anos. Além da própria dor de pai, compartilhava a tristeza e o choro da esposa durante noites em claro, desdobrando-se para consolá-la e acalmá-la em  seus braços . Indiferente ao fato, o chefe lhe ordenou o cumprimento de atividades noturnas. Colega solidário e testemunha do sofrimento do amigo, ofereceu-se para substituí-lo. O chefe, rejeitou a substituição  mandando, agressivamente, o funcionário encaminhar a mulher a um psiquiatra ou, então, buscar outro emprego. Diante das lágrimas silenciosas rolando no rosto do amigo, sentiu o sangue lhe subir à cabeça, desentalando o grito de inúmeros impropérios, que foram contidos e acumulados, em anos de humilhação que vivera nessa empresa. Foram os demais colegas que o impediram de agredir, fisicamente, o insuportável chefe-carrasco.

Ele não se arrependera do fato, ao contrário, sentia-se aliviado. No entanto, sofria a difícil luta para obter novo emprego. Filas, entrega de currículos e entrevistas foram muitas, mas sem um resultado positivo. Como era habilidoso e bem-falante, conseguiu alguns trabalhos esporádicos, que lhe permitiam arcar com as despesas do dia-a-dia. Mas, se sentia desconfortável, e em um dia de desânimo acompanhou a esposa à igreja. Quem sabe, o resgate da fé e um pouco de oração poderiam ajudá-lo.

A evangelização era o foco da religião e o pastor gostou dele, da sua história de solidariedade, da sua habilidade de comunicação e o convidou para realizar um curso de teologia. Como tempo era o que não lhe faltava, realizou o curso e foi elogiado pelo esforço e bom rendimento. O pastor o convidou para ser um evangelizador. Surgiu assim, a possibilidade de seguir um novo caminho, uma nova possibilidade de trabalho. Ele agradeceu, ficou de pensar, e retornou à busca de trabalho na sua área de competência, pois não se sentia um homem suficientemente religioso.

Para vencer os obstáculos, desenvolveu nova estratégia para encontrar emprego. Em vez de buscar vagas disponíveis, resolveu procurar uma concorrente da empresa em que tinha trabalhado, uma maior e melhor. Decidiu oferecer sua experiência, seu trabalho, para uma organização que ele escolheria.  Após visitar diversos sites, selecionou uma empresa e com paciência e empenho, conseguiu contato, marcar uma entrevista e atender à solicitação para que enviasse antes, um currículo atualizado.

Cuidou da preparação do currículo, revendo sua história escolar e profissional de vida. Inseriu diversas atividades, mesmo sem relação com o cargo técnico que pleiteava, pois acreditava que elas pudessem ilustrar a sua proatividade e flexibilidade (palavras tão em moda nas entrevistas que fizera). Na escolarização incluiu o curso de teologia , pois ele poderia indicar seu interesse pelo estudo das coisas do mundo e que, além de tudo, era um homem de fé.

Armou-se de argumentos para convencer o entrevistador que contratá-lo seria um bom negócio para a empresa. Ele era competente, possuía sólida experiência como técnico,  disposição para o trabalho e possuía valores éticos. Surpreendeu-se, quando se deu conta, que também dedicara alguns pensamentos aos céus, pedindo que os deuses o iluminassem e que tudo desse certo. A oração era sempre responsabilidade da esposa, mas dessa vez, ele mesmo fez a comunicação celestial.

Chegou pontualmente na empresa e foi recebido por uma simpática recepcionista, que lhe ofereceu café, água, e boa conversa. Depois dela atender um breve telefonema o acompanhou até a entrada da arena.

O entrevistador estava com o seu currículo nas mãos, sorriu, e pediu que falasse porque queria trabalhar ali. Ele elogiou a empresa, citou características que a diferenciava dos concorrentes, no atendimento aos clientes, nas exigências das atividades técnicas, etc. Observou o entrevistador e percebeu que sua pesquisa sobre a empresa havia gerado bons frutos. O selecionador, então, lhe pediu que dissesse o que a empresa ganharia com a contratação dele. Ele discorreu sobre sua experiência na área, descreveu soluções a desafios que agregaram valor às empresas em que trabalhara. Satisfeito com sua resposta, fez uma pausa, pois imaginou que na sequência viria uma oferta de emprego, ou a solicitação para aguardar um tempo até que surgisse uma futura oportunidade de contratação. Concentrou-se e torceu para ouvir a primeira alternativa.

O entrevistador, então, assinalou que o curso de teologia havia chamado sua atenção, e que levantara como hipótese, a existência de uma dúvida oculta entre o desejo dele em ser técnico ou pastor. O curso, registrado em destaque no currículo, como diria Freud, era um ato falho, revelando, sem querer, um desejo oculto.

A surpresa o desconcertou, mas negou,  procurou enfaticamente desmentir a hipótese, reafirmou seu desejo em ampliar a experiência na área técnica. Ele, no fundo, sabia que seus argumentos deixaram de ser, suficientemente, convincentes.

O entrevistador manteve sua simpatia, prometeu oportunamente entrar em contato, mas  na despedida, uma desconfiança mútua pairava entre eles.

Ao sair da empresa, lamentou a inclusão daquele curso no currículo, de ter-se colocado em uma encruzilhada.

Agora, só lhe restava aguardar um sinal dos céus. O primeiro a entrar em contato com ele, (entrevistador ou pastor), iria definir o caminho a seguir: área técnica ou religiosa. E seu coração torcia muito para que a comunicação fosse do entrevistador.

 

 

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3 comments

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