Um canto de Natal
Atravessou a cidade para o ritual de final de ano e pela primeira vez sem a companhia de seu pai, vencendo com dificuldade o desejo de desistir. Diante da conhecida loja de plantas e flores seu coração acelerou ao recordar o abraço afetuoso que seu pai sempre reservava ao amigo, dono da loja. O amigo também partira nesse mesmo ano e imaginou que o abraço deles agora devia se concretizar em outra dimensão. Reconheceu no atendente, filho do dono, o mesmo olhar e sorriso do pai, embora estivesse presente uma tristeza, até então, desconhecida. O silêncio de ambos expressava a cumplicidade do sentimento, o partilhamento da mesma saudade.
Lembrou-se da diálogo tantas vezes repetidos pelo pai e atendente na escolha da planta. Com voz embargada disse as mesmas palavras: “ Nem muito grande nem muito pequena, recheada de galhos, raízes profundas, para ser plantada depois no jardim.” O atendente continuou a conversa que presenciada por muitos anos: “Separei esta, É a melhor, e pode ter certeza que enfeitada ou não, ela é sempre linda”. Ambos a carregaram e acomodaram cuidadosamente no automóvel. Pagamento, despedidas emocionadas, votos de Feliz Natal e a esperança de se reverem no próximo ano.
A esposa e os dois filhos o ajudaram a ajeitar a árvore na sala, próximo à varanda. As crianças ansiosas decidiram enfeitá-la e organizar os presentes. Ele não sabia o porquê, mas pediu que esperassem dois dias para iniciarem a decoração. Sem justificativa racional ele inventou que era necessário “desestressar” a árvore, que sensível, sentira muito o deslocamento. Seu coração repetia que a árvore traria algo diferente.
A esposa interpretou que o sentimento dele estava associado à dificuldade de constatar a ausência do pai na preparação dos enfeites, ele que sempre fora o mais animado em todos os natais da família. Assim, ela acalmou as crianças e ratificou a necessidade de um tempo para a árvore se acostumar ao seu novo local.
Depois de alguns dias, finalmente se reuniram para enfeitar a árvore. Ele, muito observador, estranhou alguns galhinhos no chão. Examinou-os cuidadosamente e eles, definitivamente, não pertenciam a árvore. A estranha presença foi atribuída ao vento que os trouxera do jardim através da janela. As crianças, sob a orientação da mãe, organizavam os enfeites no chão, para depois transportá-los e colocá-los nos galhos.
Ele passou a desenrolar as luzes do pisca-pisca quando foi surpreendido por um voo rasante e se desiquilibrou. Tentou identificar o animal, mas ele se escondeu na parte superior da árvore. Seria uma borboleta, um pássaro, um morcego? O fato criou um alvoroço e as crianças decidiram chacoalhar a árvore para expulsar o intruso. O pai as impediu e pediu silêncio para observar com cuidado e esclarecer o mistério.
Aproximou-se, afastou delicadamente os galhos e se deparou com um pequeno ninho de pássaro. A mamãe-pássaro chocava dois ovinhos e o papai pássaro carregava no bico mais uma palha para compor o ninho. Descreveu baixinho o que observava, despertando a curiosidade de todos. Em seguida, atendeu o desejo de cada um para testemunhar essa bela surpresa da vida.
Os pássaros trouxeram novo sentido à árvore natalina e quando os ovinhos se transformaram em bebês pássaros, a história se espalhou pela vizinhança, e todos vinham observar a nova vida, não a do salvador, mas de pequenos seres que dependem dos humanos para serem salvos.
Ele nunca vai esquecer a linda mensagem presente na árvore de Natal. Sabia que era mais uma lição de seu amado pai: mais importante que chorar a ausência, trazida pela morte de um ente querido, é comemorar a vida, os inusitados momentos e as doces lembranças que permanecem na memória. Como o pouso de um pássaro, uma palavra, um sorriso, um acontecimento qualquer, nos faz recordar da pessoa ausente despertando a saudade, o amor que nunca morre.
Gostei muito do teu blog. Parabéns pela iniciativa!
Obrigada, Roberto. Volte sempre
Oi, Ivetinha! Mais um que acreditava ter deixado meu comentário. Mas, como não encontrei, aqui vai. Você tem toda razão: é melhor comemorar a vida, do que chorar uma ausência. Linda imagem, palavras simples, mas muito verdadeiras. Levam à reflexão… refletir é o melhor exercício para comemorar a vida.
Seus comentários são sempre bem vindos!
Que belo conto… passarinhos cuidando do ninho e dos filhotinhos é um tema emocionante e muito mais que isso num texto tão bem escrito como esse!