“Manda Nudes”

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Bruno, um rapaz de vinte e dois anos aguardava na sala de espera de uma empresa uma entrevista final para uma vaga de emprego. Ele enviou o currículo atendendo ao anúncio de vaga e recebeu pelo whatsapp convocação do setor de Recursos Humanos para testes, dinâmica de grupo e por último, entrevista. Aprovado nas diversas fases, essa era a última etapa para conseguir o tão desejado emprego. A psicóloga, doutora Beatriz, chamou seu nome e ele tentou controlar o nervosismo.

Ao final da entrevista, depois de esclarecer alguns pontos referentes à expectativa de trabalho e a sua experiência escolar e profissional ouviu da entrevistadora que acompanhara todo o processo de seleção:

– Bruno, você é o nosso melhor candidato. Terei uma última conversa com os profissionais do setor onde você irá trabalhar e em seguida entrarei em contato para as providências necessárias à contratação.

– Que boa notícia doutora Beatriz. Estou muito feliz e aguardarei ansioso o seu contato. Ele será feito pelo whatsapp?

– Sim, isso mesmo. Mantenha-se atento que lhe enviarei mensagem em dois dias, no máximo.

Bruno agradeceu e saiu radiante, certo que em breve seria um funcionário daquela empresa. O seu maior desejo, naquele momento, era comemorar a notícia com sua namorada, Marina, que o apoiara em todo processo e que agora estava em uma viagem de trabalho, há mais de quatrocentos quilômetros de distância. Ele mandou uma mensagem contando a novidade e marcou um horário para que pudessem se falar à noite, mais tranquilamente. Marina tinha a mesma idade que Bruno, eles se conheceram em uma rede social, estavam juntos há seis meses e a comunicação entre eles era mais virtual que real. No período de namoro eles não tiveram mais que cinco contatos presenciais. Marina vibrou ao receber a mensagem, ficou feliz com o sucesso do amado e respondeu confirmando estar disponível para contato no horário marcado por ele.

Bruno e Marina são de uma geração que não gosta de esperar. Eles estão acostumados a assistirem capítulos das séries de televisão preferidas quando são lançadas nos países de origem; acessarem internet de forma cada vez mais rápida, assistirem filmes que ainda não chegaram as telas, ficarem aflitos ao enviarem uma mensagem e não receberem resposta imediatamente. A velocidade é a característica desse tempo onde tudo tem que ser para agora e esperar é perder tempo. Os relacionamentos também costumam ser intensos e rápidos. Não há tempo para a espera do contato presencial, do olho no olho, de sorrisos marotos que escondem intenções inconfessáveis, de toques na pele por meio de abraços e beijos que provocam arrepios, de sentir e se inebriar com o perfume característico do corpo de cada um. Enfim, os relacionamentos dessa geração costumam pular etapas no jogo da sedução para chegarem mais rápido à conquista final.

Bruno e Marina no horário marcado iniciaram uma conversa no chat que iniciou com a comemoração do resultado do processo de seleção e evoluiu para um papo erótico. O roteiro de uma conquista que antes iniciava com um encontro aleatório, evoluindo para amizade, interesse, clima transformado em beijo, novos encontros, mais beijos, mais encontros é agora focado em troca de mensagens online. A sexualidade antes privada, presente na intimidade de quatro paredes, agora se mistura com o público, num mundo virtual sem paredes ou fronteiras. Palavras antes sussurradas ao pé do ouvido ocupam sob a forma de texto a tela de um espaço de convívio de muitos. Na grande rede o público e privado se confundem.

Além das palavras o corpo do desejo está presente atrás da tela e desperta a curiosidade, nas suas curvas, texturas, marcas específicas, cavidades. A ansiedade e o desejo dos amantes provocam a sensação de revoadas de borboletas no estômago e a necessidade de contemplar o corpo em detalhes. Nesse turbilhão de sentimentos Bruno leu a mensagem enviada por Marina na sua tela de chat : “Manda nudes”.

Mandar nudes é trocar fotos íntimas no chat. A sexualidade apesar de algo simples é também assunto delicado, envolve o sentir e o querer. Se o sentimento é verdadeiro, as fotos solicitadas despertam o próprio desejo de quem as envia e também do outro que as recebe; são lances do jogo de distribuir e sentir prazer. Conversas, fotos verdadeiras e recíprocas permitem a descoberta de si mesmo e do outro. O risco só parece existir quando a foto é falsa e o desejo simulado, o que impede a vivência de um sentimento intenso com alguém. No caso de Bruno e Marina o sentir e querer eram verdadeiros e a masturbação virtual acontecia pela limitação dada pela distância momentânea entre eles que os impedia de concretizar um contato real.

Bruno caprichou no seu nudes para atender ao pedido de Marina. Com o celular focalizou seu sexo, escolheu o melhor ângulo, registrou-o com um clique em uma foto e enviou. O nude permite ao sujeito controlar o que será visto pelo outro, o que revelar e o que esconder; é um convite para observar não mais o corpo, mas sua representação e o discurso que acompanha a realização de um registro. Bruno aguardou ansioso pelas observações de Marina que também acabara de enviar uma linda foto de seus desejados seios.

Marina informou não ter recebido a foto que Bruno enviara. Ele tinha certeza do envio, mas o mundo virtual é misterioso e a foto poderia ter ido parar em um limbo qualquer, sem alcançar o seu destino. Reenviou a foto do seu sexo, que agora além de acompanhada de frases picantes também continha elogios aos seios que recebera. O jogo sexual continuou com a cumplicidade e intimidade entre os dois parceiros. Viveram o solitário gozo virtual, impedidos pela distância de sentir o suor, o cheiro e a pele um do outro.

Dois dias depois da entrevista Bruno ainda não recebera nenhuma mensagem da doutora Beatriz e começou a se preocupar com o resultado da seleção que lhe parecia tão certa. No terceiro dia de espera, em vez da mensagem da doutora Beatriz pelo whatsapp, Bruno recebeu no seu endereço um mensageiro com uma intimação para comparecer, no dia seguinte, em uma delegacia para prestar depoimento. Não conseguiu entender qual era o problema classificado como crime virtual ,mas obedeceu a convocação, o que lhe pareceu o melhor a fazer.

Ao apresentar-se na delegacia, no horário marcado pela intimação, foi encaminhado à sala do delegado e ao entrar surpreendeu-se ao encontrar no mesmo ambiente a psicóloga, doutora Beatriz, acompanhada de um advogado. Cumprimentou-a com um sorriso respeitoso e não obteve qualquer resposta.

O delegado observou-o em silêncio detalhadamente, em seguida pediu que se sentasse ao lado da doutora Beatriz e então falou:

– Senhor Bruno?

– Sim, senhor.

– O senhor sabe por que está aqui?

– Não senhor. O senhor poderia, por favor, me esclarecer porque fui intimado para comparecer aqui na delegacia?

– O senhor está aqui por ter cometido um crime virtual. A vítima que aqui se encontra é a doutora Beatriz, responsável pela seleção na empresa em que o senhor pleiteava uma vaga de emprego.

Bruno não conseguia compreender. Crime virtual? Ele foi absolutamente honesto nos testes a que foi submetido na empresa e durante todo o processo de seleção tratara a doutora Beatriz com o máximo respeito. Realmente sentia-se desorientado e não conseguia saber qual o crime que cometera.

O delegado explicou que a doutora Beatriz havia recebido no seu celular, no mesmo dia em que havia terminado um processo seletivo, do qual ele fazia parte, uma foto de sexo masculino acompanhada de algumas frases picantes. Ela podia provar o que falava. A foto e a mensagem, não havia dúvida, haviam partido do celular dele. O celular nas mãos do delegado exibia na tela o sexo do Bruno e ele exibiu a todos os presentes na sala.

– O senhor reconhece essa foto? Foi o senhor que a enviou à doutora Beatriz?

Bruno estava absolutamente constrangido ao compreender o que havia acontecido. No dia em que falava com sua namorada ao atender o “Manda nudes”  o envio, por distração, foi parar no número da doutora Beatriz.

– Senhor delegado, a foto é minha, quer dizer do meu sexo….quer dizer… mas isso foi um engano…quero me desculpar.

– Engano, senhor Bruno? A doutora Beatriz recebeu essa pornografia no celular dela, o senhor reconheceu que foi quem produziu e enviou e vem me dizer que houve um engano? Ela, com razão, ficou indignada e resolveu denunciá-lo à polícia. Esse pode ser o primeiro ato de uma ameaça de alguém, que deve sofrer, com certeza, de algum distúrbio psiquiátrico. A doutora Beatriz garantiu que durante o processo seletivo ela não havia percebido nada de diferente no senhor, mas pelo jeito o senhor ocultou muito bem um sério problema. Não posso acreditar que essa seja a primeira vez e sabe lá do que mais o senhor é capaz.

Bruno esforçou-se para explicar ao delegado que tudo não passara de um equívoco e que em nenhum momento pretendeu agredir ou ameaçar a doutora Beatriz. O delegado e a doutora nunca haviam ouvido falar que “mandar nudes” como sendo uma prática comum entre os jovens. Bruno até citou uma pesquisa que havia lido que um de cada cinco jovens já enviou ou recebeu nudes. Além disso, contou sobre uma revista, voltada o público jovem, que naquela mesma semana, havia lançado como desafio aos leitores, o envio de nudes para serem publicados. essa promoção causou grande polêmica.

Para comprovar sua inocência Bruno teve que superar seu constrangimento e mostrar ao delegado a sua conversa com a namorada e a troca de nudes no seu celular. A conversa evidenciava o sumiço do primeiro “nude” , que por engano,  foi enviado para o número da doutora Beatriz. Os seios da amada Marina, a troca de mensagens eróticas tornaram-se  públicos, analisados, em detalhes por todos presentes na delegacia. Bruno voltou a se desculpar e prometeu que seria mais cuidadoso ao enviar suas mensagens. Após os esclarecimentos a doutora Beatriz concordou em retirar a queixa e Bruno foi dispensado.

A trapalhada de Bruno impediu sua contratação e abalou seriamente seu relacionamento com a namorada. Marina, ao saber do episódio da delegacia, aborreceu-se e o culpou por tê-la exposto para estranhos. E Bruno sentia-se incapaz de  avaliar o que este fato traria como consequência para seu futuro pessoal e profissional.

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